Alternativas ao Aquecimento global: uma perspectiva socioambiental

 

Foi longa e desigual a luta sustentada por ambientalistas e cientistas para afirmar o papel do homem como agente do aquecimento global. Nos Estados Unidos pesquisas financiadas pelo complexo científico(industrial)militar chegaram a recomendar que não se usasse a expressão aquecimento global.

O recente consenso às teses que reconhecem o problema nos obriga a refletir sobre as suas razões. A Casa Branca, pela primeira vez, deixou de fazer as costumeiras objeções aos relatórios da Onu. A conversão tardia atinge até mesmo o ecologista Al Gore, posto que sua condição de Vice Presidente no governo Bill Clinton não foi suficiente para que assinasse o Protocolo de Kyoto, o que sugere que nos EEUU há uma política de Estado e não de governo, comandada pelo complexo científico(industrial)militar. Se alguma dúvida há basta verificar que nos dois mandatos do Sr. Bill Clinton, “os Estados Unidos fizeram 48 intervenções militares, muito mais do que em toda a Guerra Fria” (Bacevich, A.J., “American Empire”, Harvard University Press, Cambridge, 2002, p: 143).

Tudo indica que estamos no limiar de mudança da matriz energética fossilista e não necessariamente pelas razões apontadas pelo relatório da Onu. É o que se pode depreender a partir (1) das recentes derrotas políticas decorrentes das intervenções militares dos EEUU, sobretudo no Iraque e Afeganistão, que põem em xeque o esforço geopolítico de controlar o Oriente Médio e a Ásia Central; 2) em todo país onde há exploração de petróleo e gás tem havido contestação à ação das grandes empresas do setor – Bolívia, Equador, Nigéria (povo Ogoni), Colômbia, México, Indonésia, Timor, entre outros; 3) as mais recentes projeções sobre as reservas disponíveis de petróleo apontam para a escassez. Duas alternativas começam a aparecer no horizonte: já se começa a ouvir vozes defendendo o uso da energia nuclear, a única das alternativas tecnológicas também dominada por setores do atual complexo científico(industrial)militar. Parece que Chernobyl não deixou nenhuma lição. Desde os anos 60, o movimento ambientalista alertava que mesmo uma usina nuclear para fins pacíficos é um risco por se converter em alvo militar. Depois do 11 de setembro de 2001 essa advertência é, no mínimo, realista.

A outra alternativa que vem sendo apresentada é a do bio(combustível. Os cadernos e jornais econômicos não deixam de fazer loas às novas oportunidades de negócio. Se para o mundo isso parece ser novidade não o é para nós, brasileiros. O secular latifúndio monocultor de cana de açúcar soube se mover, nos anos 1970, para transformar a sua crise numa crise nacional de alternativa energética – Pró)Álcool. O Brasil mostrou a sua criatividade científica e tecnológica remodernizando o velho latifúndio. Afinal, os latifúndios brasileiros são modernos há 500 anos, pois não havia nenhuma manufatura capaz de produzir tanto açúcar como os engenhos que haviam no nordeste brasileiro, e também no Haiti e em Cuba. E o açúcar era a principal commodity de então. A modernidade procura olvidar a colonialidade que lhe é constitutiva, ignorando o caráter contraditório que atravessa a própria tecnologia que, sempre, é parte das relações sociais e de poder. A modernidade do engenho, do Pró(Álcool e das novas tecnologias de produção de bio)combustíveis não existe num vazio societário. No Brasil o preço da terra mais baixo que nos EEUU vem atraindo, inclusive fazendeiros estadunidenses que vêm adquirindo amplas extensões de terras nos cerrados de Goiás, Mato Grosso do Sul, Mato Grosso, Tocantins, Maranhão, Piauí e Bahia. Para os EEUU, é estratégico uma aproximação com o Brasil por meio do bio(combustível. Não só nossas condições naturais tropicais são excelentes – terras, sol e água – como o nosso know how científico)tecnológico. Ainda que de um ponto de vista estritamente econômico o agronegócio brasileiro sentiu na pele, em 2006, o que significa estar, a montante e a jusante da porteira, submetido ao complexo tecnológico(industrial)financeiro das grandes corporações transnacionais. A julgar pelo que tem sido a expansão dos modernos latifúndios monocultores esse modelo é inaceitável, se nos colocamos de um ponto de vista socioambiental. Invocar o bio(combustível por causa do efeito estufa não nos deve fazer esquecer os enormes danos socioambientais que as grandes monoculturas têm nos causado, a saber: 1) sua expansão tem sido acompanhada pelo aumento do desmatamento e da violência; 2) é grande o desperdício de água: cerca de 70% da água da irrigação se perde por evaporação; 3) nos cerrados, o desequilíbrio hidrológico entre as chapadas e as veredas vem se acentuando com o uso dos pivôs centrais; 4) a poluição hídrica se generaliza, em função do uso de agroquímicos tóxicos – os índios Karajás, que se consideram filhos de Aruanã, que habita o fundo dos rios, já não sabem como confiar nos seus deuses; 5) as cheias e as vazantes se acentuam, pois com a perda de solos por erosão aumenta o assoreamento e a carga de material sólido nos rios; 6) é grande a perda de diversidade biológica dos cerrados, que foi oferecido, desde os anos 60, aos latifúndios modernos que hoje colonizam a região, em nome de preservar a Amazônia; 7) o complexo grilagem)madeireira(pastagem)agronegócio vem adentrando a Amazônia pelas BRs 364, 317 e 319, colocando em risco a própria floresta; 8) não se faz um balanço energético que compare a energia gasta na produção(transporte do bio)combustível com a energia obtida no final; 9) olvida-se de toda a riqueza da cultura das populações originárias e camponesas que habitam essas regiões e que já demonstraram sua habilidade criativa de viver com a produtividade biológica primária e, pelo bem que trazem à humanidade, poderiam ser ressarcidas por suas práticas baseadas numa racionalidade ambiental.

Encontrar uma alternativa tecnológica ao modelo tecnológico fossilista em crise não parece difícil. Esperamos que não sejam necessários mais 40 anos para que nos apercebamos que o efeito estufa tem sua causa num modelo de desenvolvimento injusto e depredador, ao mesmo tempo, e que atacar só o lado tecnológico não resolve o problema. E isso é o que parece estar em curso. Talvez não tenhamos outros 40 anos, pelo menos é o que dizem os cientistas.

 

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